De antemão, já aviso: não pense que sou uma daquelas vizinhas stalker que ficam bisbilhotando a vida alheia pela janela com uma taça de vinho nas mãos - ou com uma câmera fotográfica no melhor estilo de Hitchcock. As poucas visões que tenho dos meus vizinhos da casa à esquerda são durante minhas rápidas passagens pela janela do meu quarto, pela janela do meu banheiro, pela janela da sala de música e pela janela da sala de jantar.
Através dessas janelas, consigo ter uma boa visão do quintal gramado deles. A piscina raramente fica verde, a não ser durante o inverno. Ao lado dela, foi construída uma área meio aberta com forno de pizza, churrasqueira, varal de luzinhas no teto pergolado e piso de azulejo português. Os gatos adoram descansar em cima das espreguiçadeiras de aço pretas durante as tardes de verão e primavera. As floreiras estão sempre cheias, coloridas e bem cuidadas. Tudo muito charmoso.
Durante esses dois anos morando lado a lado, fiz algumas suposições sobre esses meus vizinhos a partir das minhas rápidas observações. Eles são um casal beirando talvez seus 55 anos, mas bastante conservados. Cuidam de seus quatro gatos fofos e curiosos. Suspeito que ele seja de família francesa, já que consigo ouvir várias ligações que ele faz para seus familiares na Europa, cheio de "oui" e "d'accord". Ela adora cuidar da casa, do jardim e não suporta deixar nada desorganizado ou sujo. Torceram para a França durante a última Copa do Mundo. São só os dois em uma casa grande e bem construída. São só os dois 24/7. Não existem filhos para quebrar algum gelo ou para dar uma movimentada na vida. Ele tem a ela. Ela tem a ele. E os gatos, claro.
Você deve estar me perguntando: "Tá, mas o que te fez ficar apaixonada por eles?"
Era uma quarta-feira a noite quando, saindo do meu banho, ouço uma música do John Coltrane tocar ao fundo. Enrolada na toalha, ainda molhada, espio pela janela sextavada do meu banheiro de onde vem a fonte do bom gosto musical. Sem ficar muito surpresa, vejo meus vizinhos entre risos e conversas bobas arrumando a mesa do quintal gramado para um jantar à luz do luar, em plena quarta-feira regada a jazz. Sentei na beirada da minha banheira para ouvir a música e apreciar uma das noites mais agradáveis que já observei. Em uma outra noite, fui pega pela voz de Nara Leão ao sair do banho. Ao invés do jantar completo, meus vizinhos estavam tomando uma garrafa de vinho no quintal gramado, com mantinhas em cadeiras largas e uma fogueira chiquezinha acesa entre os dois. E por várias outras noites, sem um padrão de repetição, estão os dois romantizando a vida e a rotina de um casal de meia idade.
Então me apaixonei.
Love,
G.
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